sábado, 1 de dezembro de 2012

Admirável Mundo Novo - Parte II

ou "Nem tão novo assim"

Acabo de ler um texto - muito legal, por sinal - e além de recomendar sua leitura quis dar meu palpite sobre o assunto do momento: a Deep Web. Então lá vem mais um texto enorme, prolixo e redundante que você não vai ler nesse blog bombante.
Vários sites do mainstream virtual já disseram o bastante sobre o tema - melhor dizendo, abriram o necessário. Acredito que algo além do já apontado seria mais do mesmo, mas há sempre dúvidas que atiçam nossa curiosidade, quase sempre estimuladas pelo sensacionalismo das páginas caça-cliques. Usuário mediano de internet, nem um pouco hacker e com parcos conhecimentos, ainda assim tive minha minúscula parcela de contato com o que se pode chamar de obscuridade da rede.
Obviamente, o que digo aqui não pretende generalizar a realidade das Deep Webs (no plural). Mergulhar numa praia não é saber a fauna dos oceanos, claro, mas você pode ao menos entender que é feita de água, tem peixes, crustáceos, correntes, plantas, pedras e sal, e que isso provavelmente vale pra maior parte dos mares.

Então, só pra irmos um pouco além dessa imagem de "inferno de Dante" pintada por alguns blogueiros e páginas, que ainda assim apontam uma parte inegável da realidade - e sem também ter qualquer pretensão de acrescentar dados concretos ao debate mas, antes, elocubrar sobre sua natureza - deixo alguns comentários pra quem não conhece absolutamente nada do tema e só ouviu dizer recentemente:


O primeiro, o de que "80% do conteúdo da internet é Deep web".
Bem... Sim e não. Isso não quer dizer que 80% da web é coisa de pedófi e canibal, nazzista e matador de aluguel. Quer dizer que a maior parte do conteúdo da web não é classificado, muito menos aberto ao público geral. Assim como as pastas compartilhadas no seu HD numa rede interna não representam a maior parte dele (a menos que você... bem... deixa pra lá, mas normalmente só se deixa aberto um punhado de pastas), muito do material da web não está colocado em sites de visitação direta e não está indexado. Você não encontra todo o conteúdo do mundo simplesmente jogando no Google, certo? Digitar "salário do fulano de tal" não vai aparecer ali, ao lado dos links do Mercado Livre. Ou seja, no meu servidor pode haver uma pasta de arquivos que ninguém encontra se não for por 'acidente', porque não há nada apontando pra lá. Pode ser uma pasta com material a ser trocado entre o cliente e o webmaster, pode ser material fechado apenas para uma intranet, etc. Esses conteúdos todos permanecem obscuros para a maioria de nós.
O Google assume que, considerando o tráfego de informação na rede, não abarca muito mais que uns vinte e poucos porcento desse material circulante. Daí o tal número, que parece bem irreal à primeira vista se considerarmos o quanto de dados todos os usuários de redes sociais jogam por dia na www, por exemplo (redes P2P de torrents, compartilhamentos, gigas de fotos por hora, vídeos, stream, músicas, etc). É muita, muita coisa mesmo e parece difícil que conteúdo secreto/discreto ultrapasse isso. Mas ultrapassa, como você pode imaginar pelos exemplos acima. Só pra ilustrar novamente, aquele vídeo de 5 gigas que você baixou no Emule é mais do que postou no seu Facebook hoje, não?
Toda página que pretende ser encontrada possui um index, nomes claros, palavras-chave para busca e afins. Elas pedem "clique em mim, eu sou isso e faço aquilo". O oposto acontece na Deep Web (e se você vir o primeiro exemplo acontecendo nela... corra que é cilada, Bino). Dizendo de forma bem básica e simploriamente, as que 'pretendem ser encontradas' apenas por aqueles que possuem os links (seja na intranet de um grupo, seja na rede mundial de computadores) dispensam o index na maioria das ve
zes, usam disfarces, firewalls ou, mais comumente, criptografia. Seu browser sequer acessa parte do material, simplesmente porque não foi feito pra você.

Assim como muito telefone não tá na lista telefônica, muito conteúdo não está classificado nos buscadores.
É isso o que dizem esses tais números oficiais, na prática. Acho que você já entendeu.

Segundo: a internet nasceu Deep Web.Eu não sei quando vocês começaram a entrar nela, mas seu começo foi bem assim. O "mundo novo" ali no título refere-se não à surpresa pelo conteúdo das matérias, mas por ser notícia tratada como recente.Pense numa poça que começa rasa e acumula água por cima. Novos rios que invadem o pedaço e encobrem tudo com seus grandes volumes. É isso. Os acréscimos vieram e obscureceram as camadas debaixo. Mas ainda estão lá - a água ainda circula pelo buraco. O novo público da taverna encobre os bebuns do balcão - ao menos até um certo horário - a ponto de parecer que o local é bem outro, mais amistoso e de conversas em voz alta - mas o balcão ainda é usado para sussurrar. Como quem vê uma grande cidade de cima e não sabe que ali na linha do trem, no centro velho, circulam com a mesma velocidade que os carros da avenida os mendigos, craqueiros e travestis.E chega de metáforas bregas; vamos à História.
A internet começou com universidades e órgãos do governo (imagino que saibam disso, mas o texto é pra leigos). Seu propósito era pra poucos, por natureza. Resumia-se a computadores ligados por modens que trocavam conteúdo específico por horas a fio (literalmente, pelo fio das conexões discadas). E-mails e páginas que só se alguém te dissesse "vá na pastal tal e procure o arquivo tal" você encontraria. Era uma rede 'íntima', por assim dizer, muito útil e ao mesmo tempo intocável na época, posto que mal havia protocolos e compatibilidades patronizadas - e parecia grego mesmo pro usuário comum (como eu e você, em nossos DOS e avançadíssimos Windows 3.11 isolados do mundo). E era isso.
Então qualquer um que já usou IRC, Astalavista (lembra?) e afins nos anos 90 já participou de algum modo da tal Web oculta (que só depois da invenção dos sites de busca - ou mesmo quando o Google era uma página tímida que perdia em uso até pro Altavista [não confunda] - passou a ser chamada Deep). Antes dos buscadores, corporações comerciais e servidores profissionais era apenas a Rede, no máximo uma 'dark web' (simplesmente porque não se sabia - ou via - onde encontrá-las). Isso lá nos tempos onde as empresas tinham um cargo para o 'enviador de e-mails' (!).
Repetindo, quem trabalhava com comunicação, fez mestrados ou doutorados provavelmente já usou bastante a tal rede paralela (que são várias - minha máquina aberta pra de um amigo já seria uma rede e os algorítmos do Google provavelmente não tomariam ciência disso).  Era esse um dos únicos meios de conseguir uma publicação científica além de pagar 1.000 Reais pra importar um livro, por exemplo.
Muita gente assustada com a tal novidade já fez parte direta ou indireta dela, inclusive quem já baixou conteúdo pirata - uma rede de torrent obviamente não é a mesma coisa que a Mariana's, mas sua natureza sim e serve para ilustrar a ideia. Era esse o propósito original da web, afinal: a troca de conteúdo digital à distância de modo discreto.
Então lembre-se: pros chineses e iranianos Wikileaks e Google são 'deep web'...


Terceiro: Sobre o anonimato.
Nós usamos canais oficiais de comunicação, páginas intuitivas, atraentes e indexadas, registradas, com domínios, url, IPs dos provedores, cookies, logs, www, http aberto, tudo bonitinho com protocolos 'universais' de acesso. É por isso que não há, por princípio, anonimato em rede social - um apertão mais sério e os sites entregam o dono de um fake com tudo o que já foi dito. Seus passos virtuais, todos, são mais ou menos rastreáveis - seja por algoritmos que selecionam por palavra-chave o melhor anúncio pra botar no seu e-mail 'gratuito', seja por profissionais e servidores do setor (hackers, polícia, empresas etc). No meu tempo isso era somente uma teoria da conspiração chamada Echelon, veja só.
Só que todo esse aparato não substituiu as outras vias dos tempos de transpiração. Por isso diz-se ser coisa de 'iniciados' - você tem de manjar como andar no beco sem deixar rastros nem chamar a atenção do trombadinha, tanto a experiência das rotinas quando a técnica. Aqueles do passado sabiam muito bem brincar com o universo das telecomunicações - tanto que fundaram empresas de software, anti-vírus e sistemas operacionais. Pisar na água sem ver o fundo é pedir pra botar o pé no ouriço.

Daí que as redes menos rastreáveis, com protocolos próprios, criptografia e afins logicamente levaram ao uso por parte de bandidos, gente louca e fulanos que têm muito a esconder (pra bem E pra mal). Não é diferente de quem vai comprar material ilegal na favela ou entra nela 'só pra sambar'. nesse sentido há uma dark web ali mesmo, ao lado do seu bairro, que por mais que vá na feira pela manhã não vai querer andar ali sozinho na noite.
Ocorre que, apesar de tudo isso que certamente existe, um canal discreto/secreto também serve pra circular informações importantes, que de outro modo seriam barradas. Wikileaks só existe por isso, afinal se um informante pode ter seu IP e e-mail rastreado ele não vai abrir a boca. Além disso a tal troca de materiais envolve direitos, pirataria e afins. Ou seja, refletindo sobre o comportamento do usuário comum de internet, nem nós estamos assim tão longe da deep web como não se trata de algo além de humanos atrás de computadores, dos piores aos melhores. Eles correm atraídos pra lá como os ratos correm pros esgotos, e podemos pensar que essa via seria melhor se fosse higienizada, urbanizada e catalogada - mas não perderia, assim, seu motivo de ser? O problema é haver sombra ou o tipo de bicho que lá se encontra? Pior, o fato da sombra ser 'virtual' aumenta o problema ou apenas se soma?
Aí entra o quarto ponto:

Lembro que nos anos 80 o FBI quebrou uma rede de snuff movies nos EUA que pegava uns 4 ou 5 estados. Tentei encontrar referências sobre o assunto numa busca não muito esforçada e não achei nada, mas o fato me marcou. Basicamente, fulanos que faziam esses filmes trocavam cópias entre si. Detalhe: sem internet, só caixas postais e fitas betamax e/ou películas de projeção. Soube-se por denúncia anônima ou pegaram um e o resto caiu, não sei ao certo. Mas era uma rede, obviamente secreta, usando os correios. Eis o sentido principal: a internet nos fez mudar parte do sentido do que é, de fato, uma rede. Então lembre-se que uma máfia é uma rede, uma gangue é uma rede, um caderno de enquete circulando pela sala de aula é uma rede e um mensaleiro que converse pela web de modo anônimo está, de certo modo, numa deep web.
É claro, repito, que um ambiente que permita maior anonimato em nível mundial atraia quem tem muito a esconder (do mesmo modo que um correio sem raio-x e pacotes invioláveis atrairia). Mas, assim como na sua agenda não tem o telefone do Cachoeira, no Google o conteúdo deles não aparece. A "novidade" das deep webs talvez seja o alcance, mas grupos de humanos ou coisas parecidas que se unem para confabular segredos são coisas bem velhas. O que choca é saber que existem esses sentimentos, impulsos e principalmente ações às escuras.
O que ainda nos choca é o grau de decadência bizarra que nossa raça pode chegar. Com ou sem internet.
Esse ainda é o grande fator e o grande perigo ali exposto, o de que existe gente - por falta de termo apropriado - capaz de fazer o impensável, para além de qualquer ética, moral ou sanidade mental.

O foco na ferramenta cria um bunda-lelê sobre o assunto a ponto de parecer que ela, por si, é responsável pela marginalidade dos frequentadores (e marginal é quem está 'na margem', como numa boca do lixo onde há traficantes e prostitutas mas também aquele cara jurado de morte por falar demais). Mas convém reforçar que nem todo mundo que se esconde é bandido - e depende sempre de Quem nos escondemos (ou você não apoia aquele blogueiro do terceiro mundo postando fatos sobr seu ditador?).
O fato é que tão logo um tabu qualquer venha a deixar de sê-lo ele sobe pra camada de cima (seja uma prostituta com carteira registrada, sejam gays que eram obrigados a se esconder em guetos e que agora podem se beijar nas ruas). De outro modo os assuntos reprimidos - com ou sem motivos justos - vão pender sempre pra osbcuridade e é apenas isso o que têm em comum.
Então devagar com o andor. Há monstros horrendos, sim, e há também quem simplesmente não pode subir à margem sem ser comido pelas gaivotas.

Quinto: O grande perigo da deep web é a falta de confiabilidade.
Claro. Não há leis, você não pode processar ninguém e quase nunca tem certeza de onde vai chegar (nenhum link é 'obrigatoriamente' o que aponta). Não é lugar para fuçadores. Muito lixo cai no seu colo, pra dizer o mínimo. Ali a programação retorna às origens: um link é algo que quando clicado leva a uma ação e nada mais;  não importa o que está escrito nele, pode te levar (ou baixar) qualquer coisa, sem garantias. Chovo no molhado ao dizer isso, pois aposto que já tiveram más experiências aqui mesmo no mainstream da internet, em blogs que ninguém visita, correntes de e-mail de péssimo gosto, vírus em sites etc.

Nada, repito, nada do que eu disse nega ou ignora que o substrato do lixo existe aos montes por lá, e que você pode esbarrar neles sem querer (como nos anos 90, onde você clicava num ok de uma página 'normal' e caía numa página fascista que enchia sua tela de pop-ups incontroláveis). Como em qualquer lugar concreto onde a polícia não entra e não há leis, é lá que você também vai encontrar a bandidagem, seus golpes, armadilhas e sistemas de segurança - vírus por todos os lados, trackers e gente que manja dessas maquininhas. Vai encontrar também todos os seus subprodutos, policiais à paisana e muita, muita sujeira a ser peneirada (SE possível). Eu disse Também - pra reforçar que há toneladas de informações importantes que seriam impossíveis por outras vias, sob holofotes. Um exército de Assanges trabalham nas profundezas apenas porque não podem ser cercados numa embaixada.
Tem coisa boa no underground - sempre teve. E devemos muito de nossa 'liberdade' atual a grupos que se esconderam de igrejas e Estados, para discutir livremente ideias ousadas como o direito à expressão. O resto (talvez a maior parte, que ofusca e choca) é não mais do que a red pill apontando o que existe aqui fora no mundo real e lá dentro das cabeças doentes.


***

Meu comentário é apenas pra aliviar o mito de algo sobrenatural por trás da internet, como se não encontrasse vários equivalentes na vida real (e desconhecidos pela maioria de nós). Para que não pintemos dragões e sereias no mapa do Pacífico, saibamos que há alguns tesouros e muitos tubarões. E para sabermos um pouquinho melhor onde pisamos, tentei somente amenizar um pouco do sensacionalismo (de certo modo bem vindo) do texto, afinal somos basicamente como nossas mães e avôs clicando em spam de enlarge-your-penis, nesse sentido (quantos e quantos vírus não peguei no astalavista? Ê laiá...). Aventurar-se nessa seara é pra poucos, que sabem se defender tanto tecnicamente quanto emocionalmente. E não me incluo neles.
Endosso que, pra grande maioria de nós, entrar nessa selva não traz mais do que precisamos aqui nas vias tradicionais - além de incidentes e desgostos. Talvez o que exista de bom ali não compense pra nós o montante de lixo humano no seu mais baixo - e inimaginável - 'nível', além de riscos como o de tomar contato, de gaiato, com material ilegal, perigoso e insano. Até você explicar que focinho de porco não é tomada, meu amigo... aquele arquivo no seu e-mail já te mandou pra delegacia.
Dito isto, a ferramenta é sim muito útil - e acredito que será muito, muito mais no futuro - e só não caiu ainda (como caiu o Megaupload) porque é praticamente impossível para qualquer autoridade intervir sem derrubar toda a internet mundial. Enquanto houver um servidor russo que dispensa cadastro, uma máquina conectada à outra ou duas pessoas cochichando num beco... haverá de tudo por aí.
Esse, afinal, é o grande efeito colateral da liberdade irrestrita: O que fazemos dela.


*Pretendo editar futuramente esse texto enorme e repetitivo. Se você chegou antes, azar seu. A internet é cheia de riscos. :D

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