terça-feira, 27 de outubro de 2015

Se trabalhar fosse gostoso, você é quem pagaria pra fazer.

Título rude, né? Mas é isso, sem tirar nem por.

Você já viu aqueles artigos de blog "criativo" (oi?) reclamando de cliente? Já, né. Será que tem alguém que já não tenha trombado com eles nas redes sociais? Difícil.
Eu gosto, no geral. Acho legal quando um texto mostra que não é só você quem passa por algumas situações. E alguns textos são ótimos, divertidos (quem acompanhava o Di Vasca, por exemplo, sabia o que era se divertir muito com a desgraça compartilhada).
Mas – e, pelo calhamaço de texto abaixo, deve haver um baita de um "mas" – a maioria me parece um mimimi meloso de garoto assoberbado.  Sério. Vem comigo.

Eu sempre sinto uma certa arrogância nesses textos que reclamam dos clientes.
Evidente que há péssimas figuras no mercado, mas repare bem no foco das reclamações. "O cliente é burro, o cliente paga mal, o cliente quer desconto, o cliente não sabe reconhecer minha genialidade".
A demanda pode ser justa, mas o tom e os modos às vezes botam tudo a perder.
De verdade: nem nós mesmos contrataríamos a maioria deles!

Eu espero que você não caia nessa. Espero também que esse mercado se profissionalize, porque a impressão que me dá nessas horas é a de que não evoluiu um milímetro. Conselho bom se vende e ninguém pediu, mas eu adoraria ter ouvido isso quando tinha 17 anos e tô de coração alegre.

Então senta que lá vem textão.
Tá aí um pouquinho do que aprendi nessas décadas de estrada, onde gente foi melhor e foi pior que eu. Espero que seja útil.


O cliente tem sempre razão?

Tem sim. Lide com isso.

Já o candidato a cliente... depende.


Para lidar bem com qualquer cliente, você precisa entendê-lo.
Coloque-se no lugar dele. O cliente quer algo que ele idealizou, que sonhou ou que precisa. Pode não saber bem o quê ou mesmo estar enganado, mas procurou um especialista com algo em mente.
Se pudesse fazer por si, o faria.
Se tivesse o tempo ou a habilidade necessária, já estaria pronto.
Mesmo que tenha tudo isso, ele talvez esteja ocupado demais com os seus próprios clientes, fazendo suas contas, honrando seus compromissos e cuidando do próprio negócio.
Então ele, como você, quer o melhor pelo menor preço possível. No jogo em que vivemos, esse desejo é compreensível e deve ser respeitado. Já o que é possível ou não no seu preço é você quem define. O que o justifica deve ser seu Valor, pra si mesmo e para o cliente, e também suas próprias necessidades. É natural que ele valorize o dele e você valorize o seu. O nome disso é negociação, não ofensa pessoal.
Assim como o fornecedor, o cliente está em avaliação. Sempre estamos, em qualquer negociação (inclusive nas relações não-comerciais). Encontrar o termo onde a mágica acontece faz parte das competências essenciais de qualquer trabalho.
Então... a menos que você me diga que prefere pagar 3 mil num celular que vale 2, e que vai recusar se te oferecerem por mil... melhor rever isso aí.

Outra: pode ser que o que ele quer não seja o melhor, o ideal, o mais eficaz. Clientes muitas vezes decidem mal, com a melhor das intenções, simplesmente porque não têm obrigação alguma de entender do seu negócio, e sim do próprio.
Mas é o que ele quer, e será feito por você ou por outro. O risco que vem com a escolha é do cliente, desde o momento em que decidiu fazer algo. Se ele vai se arriscar, nada mais justo que seja sob seus próprios termos.
Sua parte, qual é? Não sei, decida-se. A minha tem sido a de oferecer as melhores opções, apresentá-las sob prós-e-contras honestos e respeitar o desejo alheio, que propus a mim mesmo realizar. Sob pagamento, claro. Do contrário, pra fazer exclusivamente a minha vontade eu trabalharia só pra mim, em casa. E é aqui que retomo o título: a satisfação primordial é a de quem pagou pra ser satisfeito. Ponto.

A palavra final é do pagante e isso é ótimo pra todo mundo. É também por uma questão de garantia que um profissional tenha um custo, afinal. Ele também tem medo de pagar e não receber. Tem receio de que você seja um picareta sem palavra, que não vá dar conta, que vá deixá-lo na mão, que vai estourar os prazos, que mais fale do que faça de verdade.
Pode faltar um dinheirinho a mais ali, pode faltar um conteúdo extra acolá, mas o que importa é chegar no termo onde um dá o que o outro quer e a troca valeu a pena, sem traumas. O que mais você quer?
Fulano/a queria ganhar 50 mil por mês, o cliente queria um mega portal com vídeos em 4K e dançarinas de Zumba recitando Goethe ao vivo. Ilusões de grandeza temos todos, mas isso não é motivo para saírem sem nada. Em vez disso, você vai poder pagar seu crediário esse mês e ele vai ter um site funcional.
No mais... em termos bem realistas, é dele o direito de escolher o fornecedor e é seu o de aceitar um cliente.

Claro, se ele fizer uma escolha ruim apesar das opções justificadas que você fornecer e vier imputar a você o resultado do erro... bem... se podemos chamá-lo assim, esse é um cliente que você quer ter? De novo, decisões. Um bom médico faz o exame minucioso, receita o remédio e ministra o tratamento. Sua consulta estará paga de qualquer modo: o cliente tomando o remédio ou preferindo o chá da vó Neusa. Se o câncer voltar depois, não adianta dar chilique na recepção, adianta?
A lógica permanece.
Faz parte encontrar dessas coisas pelo caminho. Como também faz parte aprender, desviar-se e jamais assumir uma conduta que prejudique o bom cliente em nome de alguns ruins. Se você quiser sobreviver, claro. Isso é muito comum, tanto quanto lamentável.

A síndrome do Gênio incompreendido

Sabe... não tem campo de realização pessoal pra preencher na nota fiscal. Você pode ter muito prazer como resultado de uma parceria legal, de um trabalho onde as partes se comprometeram com o resultado. É uma delícia e a boa parceria, aquela duradoura, sempre surge assim. Mas esse prazer é consequência e, principalmente, sorte. Por isso também, o foco profissional é receber o pagamento e, sendo promissora para todos, ter a continuidade da parceria. Afinal, seu banco não aceita pagamento de boleto com abraço e parabéns.
O que vier além disso é lucro. Literal e metaforicamente.

Dito isto...
Realmente não entendo essas estrelas todas. Essas divas que só tatuam o que querem, que só decoram o que acham legal, que só cozinham o que lhes der na telha. É o couro do outro, o quarto do outro, a barriga do outro! Não importa se você é o famosão, algumas inversões tão têm cabimento.
Uma coisa é você ter o seu cardápio, ok - não se faz picanha no restaurante vegan, seu produto é X e o Y é no box ao lado. Outra é você recusar-se a trazer o saleiro ou tirar a cebola porque "tem de" ser assim.
Baixe a bola. A menos que você vá pagar pro outro engolir, essa equação tá errada. Muito errada.
É por isso que eu odeio esses termos da moda, sabe? Essa autoimportância dos títulos vazios. "Profissão Criativo", seja lá o que isso for. O mercado pede que a gente seja 'artístico', não que seja "artista" - se por "artista" você entender aquela pessoa cuja única demanda ao criar for a própria, que fez o que quis e alguém foi lá ver depois. Confessa: é esse o caso?
 Fellini fez Casanova a contragosto, por encomenda; um dos seus filmes mais poderosos. Da Vinci pintou a esposa de um cliente; por acaso tornou-se seu quadro mais famoso. Talvez ele preferisse bem mais seu cavalo de bronze do que pintar baranga, pode apostar. Não importa pra ninguém além dele. E ele certamente achou um meio de fazer o que quis com o dinheiro recebido pelo que "não quis" (e quis, já que aceitou).

Tô falando dos grandes.
E nós? Pois é. Garotear não cabe.

De(s) graça?

- Vai 'dar um boi' pra ganhar o cliente? Faz parte. Com ou sem crise, mimo e desconto todo mundo gosta.
- "É só um desenhinho"?
Se você for um desenhistinha, não perca.
- Vai trabalhar de graça por "divulgação"?
Isso é contigo. Eu mexo meus contatos e anuncio em página dupla, vou no boca-a-boca, enfim, mil maneiras ao meu ver mais dignas.
- Ele "tem um sobrinho que mexe no Corel"?
 Certamente o que ele deseja está nesse nível. Se você se identifica ou "tá precisado", dispute com o sobrinho. Eu digo Parabéns, sucesso. Boa sorte.

A gente encontra de tudo na feira. A questão é que não cabe a você questionar, necessariamente. Cabe aceitar ou recusar. Quais são os seus termos? A que está disposto? Do que precisa?

Aqui entre nós: eu só trabalho "de graça" quando quero. Se terei algo que compense e me satisfaça de algum modo (como ver um amigo próximo deslanchar, por exemplo, ou porque sempre quis fazer um trabalho do tipo). Posso até fazer de presente, depende! Já fiz muito, aliás - e nesse caso o prazer foi a compensação. Mas, sem pagamento formal envolvido, as condições do meu trabalho e do meu tempo são minhas.
Pode ser que alguém se magoe aí. Uma pena que se confunda. Profissão não é favor pessoal, é? Então magoar-se é opcional. Na verdade sabemos que a pessoa provavelmente está apenas frustrada porque seu plano de vantagem não deu certo. Mas dará com outro, não se preocupe com o seu amigão. Já caí em muito papinho furado e não há garantias de que não caia de novo. Ou você.
O ponto é que, pelas regras desse jogo, algum retorno tem de ter. Até porque... seria um puta desrespeito com quem me paga - e paga direito - pra ter o que faço. Não é justo dar pra papo-mole aquilo que gente séria valoriza.
Mas isso sou eu, nesse momento da vida, e não sei do dia de amanhã.
Hoje eu me atrevo a dizer que a relação é profissional ou é pessoal. Tenho grandes clientes amigos e amigos clientes, mas em cada momento há a sua devida atenção. O Amigo e o Cliente podem ser a mesma pessoa, mas não seus contextos. Podemos ou não trabalhar juntos. Podemos ou não tomar uma cerveja. Só com o CPF. O CNPJ não bebe.

Então... só pra lembrar: pondere, negocie e decida. Se topou os termos, mudar de ideia depois é uma baita mancada. Engula e siga em frente. O mesmo vale para o cliente.

O acordado se faz acordado e o respeito mútuo nasce daí.

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