sexta-feira, 27 de outubro de 2023

• Post Póstumo nº 3

Oi... :D

Quero falar com o meu irmão. Kit, você tá aí?

Ô meu querido, meu queridão. Eu amo tanto você, sabia? Acho que sabe, mesmo comigo dizendo tão pouco. Tá cuidando da mãe e do pai? E a Kátia, como tá? Eu adorava essa menina, minha irmãzinha. Queria tanto ter dado mais carinho a ela! Mesmo depois do casamento eu tinha medo de apegar-me a ela e depois vocês se largarem, por isso mantinha-me um pouquinho distante. Que tolice...

Escrevi a maior parte desse texto enquanto você estava lá no quarto na casa da mãe, dormindo. Numa daquelas madrugadas, entre a hora em que você levantava para una mijadita e pouco antes de você levantar com um olho aberto e outro fechado e me encher o saco para tirar o carro pra você. Você me olhou, sorriu, mandou um beijo e disse: "Ô. Bô?"
Era tudo o que eu precisava ouvir.
Eu nunca pensei que fosse sentir saudade até disso. Até do beijo de cabeça. Mas, se estou em algum lugar para sentir algo, com certeza sinto.
Sinto falta também do teu olhar. Meu Kit kit Musculucutuca, meu Tule da Montanha, meu Seo Gegê. Desde antes de nascer você já provocava em mim sentimentos que nem imagina (aposto).
Eu falava contigo na barriga da mãe. Combinava de jogar bola no quintal (como tantas vezes jogamos - e quebramos vidros, e derrubamos gaiolas), cantava pra você (nada como a péssima influência musical que você adquiriu depois, sabe-se lá de quem - hehehe) e pensava no quanto seríamos amigos. Tudo bem que, quando chegou da maternidade aquele pacote de 2 quilos de picanha careca, eu pensei "puts, que que eu vou fazer com isso aí?", mas eu sonhava contigo, com o seu futuro, nossa amizade e com muitas outras coisas.
Coisas que depois brilharam nesse olhar desconfiado, úmido, esperto e curioso. Espero que seus filhos tenham olhos assim.

Teus filhos. Ô porra... como eu queria conhecê-los! Meus meninos! Minhas crias! Filhos do meu caçulinha... meus olhos molham as teclas enquanto faço cara de durão. Tosco, né?
Um tio babão, é o que eles perderam. Eu amaria esses meninos. Ia ensinar todas as merdas. Ia desenhar nas paredes de seus quartos, ensinar a nadar, a falar palavrão, contar as histórias da nossa família, do Universo, da fantasia... Pensando bem... ensine você. Eu já te estraguei antecipadamente pra isso mesmo... :D
Eles nunca saberão de mim senão por fragmentos das nossas histórias juntos, pequenas frases soltas de uma saudade alheia a eles, na mesa do jantar. Talvez não deem bola, não sei. Mas a mim, basta. Basta que vocês estejam lá, juntos numa mesma mesa, conversando. Como nós estivemos juntos tantas vezes na nossa, disputando o último chickenitos, criticando quem não comia cebola, quem pegava bife e não deixava pro outro, reclamando do copo de Coca que o outro roubou, nossas viagens, nossos jantares na casa da Mony... essas pequenas riquezas.
Nós fomos ricos, Renan.

Aprendi tanto contigo... 7 anos mais novo e já me ensinava coisas aos 14 anos. Não, minto: muito antes. Coisas sobre a vida, sobre mim e sobre o que é realmente o significado de família. Nós dois, os seres mais próximos em um planeta com bilhões de pessoas, os mesmos genes... ao mesmo tempo tão distintos, mas jamais distantes. Eu fui feliz contigo, tive a rara sorte de ter um irmão de verdade, daqueles de filmes onde tudo acaba bem no final.
E nosso final poderia mesmo ter vindo a qualquer hora que estaria tudo bem. Saí daí sem aquela sensação de pendências, de coisas por resolver contigo. Apenas gostaria de ter dito mais. Gostaria que houvesse mais daqueles momentos tão simples e mágicos. Nossa primeira viagem juntos, seu primeiro Golzinho, os filmes vistos juntos, você repetindo todo o diálogo dos Goonies, Top Gun... cantando Guns n' Roses. Teu primeiro show de rock. Tua primeira frustração com o emprego. Tua primeira dor de amor. Paris. Teu casamento (ainda tem a retrospectiva? Lembra do meu discurso?).
Eu estive sempre ali, contigo, e sou grato por isso.

Desculpe-me. Eu não tive contigo a chácara que gostaríamos. Não disse o quanto eu estava orgulhoso pelo profissional que você se tornou. Usei teu perfume escondido. Não caprichei o quanto podia no logo da sua banda. Não te consultei sobre pintar um ET assustador na parede do quarto. Troquei o CD do Metallica que dei para você. Te culpei pelo Danoninho jogado na privada.
Pior: peidei na almofadinha em que você dormia abraçado, tirei foto sua sentadinho na privada, peladinho tomando banho e chorando. Fui um mala dum irmão mais velho.
Será que posso te pedir um favorzinho mesmo assim?

Não me esquece, querido. Porque eu jamais te esqueci. Jamais. Quando pensava em sair de casa e seguir o caminho natural da vida, o que mais me doía era pensar em ficar longe de você, não conviver mais contigo, não conversar aqueles papos malucos de economia, psicologia, o espaço, a física quântica e tudo mais que nenhum dos dois entendia até teu olho piscar pesado na madrugada.
Lembra de mim como teu ninja protetor, girando um nuntchaco em riste atrás dos moleques do bairro que tosavam suas pipas. Daquele que fazia novela de terror contigo com o velho gravador do pai e uns efeitos especiais da cozinha. Daquele que te salvava o trabalho de escola fazendo uma máscara de isopor, ou qualquer outra bobagem que me fizesse sentir participando de sua vida, ser importante para você.
No fundo era isso, eu queria que aquele que eu amava tanto tivesse orgulho de mim, eu queria ser especial e digno da sua admiração. Porque assim você sorria e me olhava com esses olhos verdes desconfiados, curiosos, espertos e úmidos.
Úmidos como os meus, enquanto escrevo.

Eu te amo, moleque. E sempre vou amá-lo.
Beijo pras nossas famílias.




P.S.: Bulusss... kuuuu.


Antes que alguém diga "Denis, morre de uma vêz, hômi", aproveito para relembrar que já estou morto, portanto foda-se a reclamação, nem ligo. hehehe

O.B.S.: Se vocês pretendem guardar o que digo, é bom copiarem esses textos. Eu não sei se este blog vai durar muito... uma bela hora o Google apaga tudo e bau-bau.

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