terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Bom dia, Fevereiro

Que bom que você chegou. Tenho umas boas pra contar sobre seu irmão mais velho.
Ele me derrubou, sabia?
É, derrubou. Assim, na covardia.

Entrei como que convidado; havia pompa nos olhos do malandro. Apontou para o cabide, pediu meu paletó, meu chapéu e minha bolsa. Suspirei sorridente com as boas vindas e... pumba. Acordei no chão. É tudo o que lembro. Nem vi de onde veio a rasteira, tomei o primeiro piau na orelha e tudo apagou. Só vi relance, pancada, barulho de soco de filme B.

Você há de entender, aí em pé sem estender-me a mão, essa minha cara desconfiada. Ressabiado - apenas um tantinho - com a sua família. Não quero julgar o caráter da Casa por apenas um filho, mas olha... tem algo no seu olhar que me lembra vagamente aquele cara. Seus rostos têm algo de familiar - se me perdoa o trocadilho. Não são vocês Aquele Ano?

Ah, seu irmão. Tenho de me queixar com alguém!
Vocês dois não dormem no mesmo beliche, dormem?
Que seja. Você não tem nada com isso. Só não me ofereça chá com bolachas, que o último rega-bofe foi vinagre para a minha gastrite.

Ei, eu não sou ingrato! Sei que ao menos deixaram-me entrar. Deixa que eu explique minha visita enquanto me levanto por mim. Não precisa estender a mão, deixe-as aí nos bolsos mesmo.
O que? Não! Não me peça você, todo festeiro, pra te acompanhar na folia: o Pierrot esgarçou e as sapatilhas furaram no mês passado. Estou sem roupa e sem fantasia.
Se não for pedir muito, não me anuncie - sem alarde! Mantenham a rotina como se eu não estivesse aqui (a casa é sua!). Só espero que você não me deixe aqui na soleira, contando com seus dias a menos (você tinha de ser bissexto, rapaz?). Deixa-me sentado até que chegue aquele domingo onde o menino encena sair da cova, como que por milagre. Um bom anfitrião permitiria-me cochilar na poltrona e sonhar, sem dizer-me que aquele domingo virá sete dias depois do primeiro, nem ressaltar que sete é conta de mentiroso, sabe? Deixa-me sentado. É cedo mas estou cansado.
Quero poder dedicar-me ao ócio do seu sofá sem pensar no cansaço de todo esse trabalho. Quero saber se chego até maio, no dia que é 1 (um, unzinho só, como eu aqui no seu sofá). Estarei em férias - não de vocês, claro. Ao menos poderei concentrar-me nesses dias um todos. Nesse trabalho. Esse mesmo, de resistir até junho. Que João não acenda nenhuma fogueira e apenas me cubra se eu resonar. Janeiro levou meu isqueiro no paletó.

Preocupa-me Julho e seus dias frios. Venta forte. A casa é toda cheia de frestas e você não há de incomodar-se caso, lá na frente, eu embrenhe por entre essas brechas. Estou acostumado com toda essa fartura de sobras entre os sofás, os carpetes e as trincas no chão. Não precisa fazer sala. Diga ao seu irmão do meio que estarei bem - ou sobrevivendo -, com as sobras dos aniversários. Não se preocupe! Não bato palmas, fico em silêncio! Passa longe com os brigadeiros, não posso com olho-de-sogra. Deixe-me sem o chapeuzinho, o que eu gostava seu irmão levou também e só uso os pontudos na escola.

Eu sei que Agosto não me deixará em paz. Ele nunca deixou, não há de ser agora. Virá mordendo, com a boca espumando, derrubando aviões e lembranças. Mas ele é honesto, você sabe - não promete nada além do que é. Conforta-me sua verdade, sua vaidade e seus dentes brilhantes. A boca escancarada parece até que sorri pra mim!

Se o próximo quiser que eu relaxe, deverá congelar-se no dia 7 e por ali permanecer. Assim, numa Parada. Não é à toa o nome: só me importa o seu 7 e, sendo o nono, ainda assim o chamo pelo apelido de infância.

Esqueça a conversa enfadonha. Antes que você me expulse, saiba que quero apenas esperar pelos três caçulas.
Décimo, como uma criança de 12 anos, sorri para mim com malícia e timidez. Já não é mais um bebê, acha-se adulto e ostenta seu buço. É irritante, adolescente, mas promete uma vida adulta depois desse desastre nos ossos. Dor de crescimento. Que não traga bolo, não quero, tomei demais.
Que me entregue adiante e me leve ao velório de Novembro, onde poderei finalmente deitar esse luto. Ficarei quietinho na cadeira dos fundos. Mais um não há de atrapalhar um onze, e se quiser conto piadas na madrugada (fiquei craque em adormecer senhoras e crianças). Passarei a noite e sairei pela manhã, sem cerimônia.
Assim, às 12 horas e com as costas livres, poderei entrar mais limpo no quarto onde dorme o bebê, aquele que anuncia que o fim vem chegando regado à comida, rojões e saudade.
Porque passo esse ano a espera dele. Porque vim só para vê-lo.
Porque vim só.

Mudei de ideia: já que estou aqui, convide-me para um café.
Afinal, a boca está seca e, na Avenida Amara nº 2012, eu entrei por Engano.

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