Olá! Aqui de volta com Thundercats.
Não reclame, que ainda tem mais uns três!
P.S.: Nerd, a @#$%! Paixão é paixão! Passei dos trinta e tô nostálgico. :D
Falando sério apesar da diletância, a Análise de Discurso demonstra que somos influenciados pela Arte bem além do que imaginamos, e uma obra como essa, tendo claramente influenciado toda uma geração, sem dúvida merece tal status. Vejamos:
D) A História
Chegamos no Melhor. O universo criado pelo trio é glorioso, repleto de referências pop como Starwars, Rei Arthur etc. Podemos encontrar também, seja de modo intencional ou inconsciente, referências históricas, míticas, semióticas e mesmo elementos das vidas dos criadores. Respeitando-se a escala, temos aí um trabalho que remete sutilmente à meticulosidade de Tolkien. Mapeável, seu mundo continha geografias, backgrounds, histórias antes da história; situações paralelas que bem poderiam protagonizar suas próprias. Regiões polares, desertos, florestas, mares, ravinas, grutas, montanhas... tinha pra todos os gostos, com habitantes próprios.
Não se engane com essa salada: é difícil pra chuchu misturar elementos tão distintos. Mesmo hoje a magia ainda é culturalmente uma antítese da tecnologia, ao menos no senso comum. Embora estejamos falando de um produto dirigido à crianças, não só desconhecíamos esse senso de produto, em virtude da idade e da época, como já tínhamos referências suficientes para separar uma coisa da outra, sendo a geração do Atari - sabíamos muito bem que toda a magia no funcionamento dos aparelhos vinha do testículo resistente do papai em suportar o emprego e pagar a conta de luz.
Portanto, conseguir uma união convincente entre o poder de apertar um botão e o de evocar um espírito era coisa rara, somente alcançada no Mainstream por George Lucas, no cinema.
O que há de tão sedutor, afinal?
Os Thundercats renderiam uma tese de mestrado (não pior do que as mais frequentes, diga-se de passagem), pois interessam pelo são e pelo que não são:
- São jovens imaturos, caráteres em formação e talentos isolados que jamais dariam certo sem combinação de esforços. Esse apelo é especialmente presente em idade escolar e mais evidente ainda num contexto gradativamente globalizado como o nosso. He-man, você há de lembrar-se, sofria do mesmo mal que Superman: era invencível. Como identificar-se?
- São jovens imaturos, caráteres em formação e talentos isolados que jamais dariam certo sem combinação de esforços. Esse apelo é especialmente presente em idade escolar e mais evidente ainda num contexto gradativamente globalizado como o nosso. He-man, você há de lembrar-se, sofria do mesmo mal que Superman: era invencível. Como identificar-se?
- Os nossos são exilados, imigrantes, gente fora de casa tentando sobreviver. Migram com eles seus piores inimigos, também falidos (um judeu novaiorquino sem dúvida criaria alguma identificação, como também o fizeram os filhos de imigrantes do Sudeste brasileiro, etc).
- Sua terra natal é irremediavelmente destruída (não importam as tentativas frustradas da fase moribunda da série, que tentaram ressuscitar o planeta: sabemos que Thundera explodiu num colapso geológico e pronto).
- Sua terra natal é irremediavelmente destruída (não importam as tentativas frustradas da fase moribunda da série, que tentaram ressuscitar o planeta: sabemos que Thundera explodiu num colapso geológico e pronto).
- Seus pais estão mortos e sua cultura depende da capacidade de reinventarem sua natureza. Apesar desse momento onde todo ufanismo absolutamente auto-centrado seria bem vindo, caem num mundo cheio de bizarrices e aceitam naturalmente a diversidade. Homens-sapos, unicórnios, robôs-ursos e amazonas gostosas (convenhamos, presenças fáceis de aceitar :D), uma grande salada cultural onde o maior estranhamento não vem da forma, mas das escolhas. A criança sabe que é bizarro mas aceita prontamente. Há algo mais nas entrelinhas do bestiário.
- Nunca fizeram servos, apenas aliados. Amigos constroem sua toca; trocam ajuda por alimentos; envolvem-se em problemas que não são seus (uma faca de dois gumes, valorizada nesse ponto do texto). Na coroação de Lion-o, por exemplo, os únicos súditos são os próprios Thundercats - todos os demais são apenas amigos, como num ritual de formatura. Ninguém de joelhos.
Falando em ritos de sagração, a ênfase no mérito: para ser rei não basta ser príncipe, tem de ter culhão. Lion-o, o moleque em corpo de homem, apesar da roupinha questionável teve de ser sangue no zóio para amadurecer. Enfrentar os piores medos e os melhores amigos não costuma fazer parte do mundinho maniqueísta dos desenhos e filmes infantis (ou mesmo adultos). A garantia de soberania não depende de hereditariedade; antes, de esforço.
Essa pequena maturidade com temas tão importantes para a faixa etária era um show à parte. Crescer não é fácl e TC não doura a pílula. Enquanto outras séries pretendiam agradar aos pais, os felinos falavam ao seu público-alvo. Sem a chatisse moralista dos finais de episódio do He-man (cuja comparação é quase inevitável para nossa geração), em TC a moral estava nas entrelinhas. Lion-o sai da cápsula criogênica que falhou e, confuso com o seu corpo adulto, crescido de repente e sem aviso, decide livrar-se da infância. A babá redundante, no entanto, recupera seu urso de pelúcia espacial recém jogado e o guarda para 'depois'. Se você era um moleque chato (pleonasmo vicioso) na pré-adolescência, louco pra nunca mais ser visto como criança e insistente no ato de negar a infância, entendeu o que a mensagem proporcionalmente sutil quis dizer (a ponto de perdoar que um homem-gato extraterrestre tivesse um ursinho Pimpão).
Temos lá os inimigos: um macacão truculento com capacete alemão (lembre-se que Ted Wolf esteve na Guerra), um inventivo abutre como cientista maluco, um lagarto gordo com a cara do Arafat (ou Churchil). E, claro, um chacal tão burro quanto covarde, que transforma o impulso de sobrevivência em oportunismo - o mais subestimado e mais interessante deles, ao meu ver.
Sua situação é praticamente a mesma dos bichanos. Já seu fracasso enquanto grupo reside em sua falácia coletiva: convivem por obrigação e sem laços afetivos, mergulhados numa disputa hierárquica interna e obtusa. Não têm identidade; seus nomes são suas naturezas. Escamoso, o lagarto, recebe um apenas para fins de distinção dos demais répteis que o obedecem. Tão obcecado pelo Poder, persegue os gatos sem motivo claro, exceto o de conquistar um poder que claramente jamais o serviria: a espada Justiceira.
A espada. Ah, a espada. Elegante e altiva como jamais sua tradução faria juz (Espada dos Presságios, em tradução livre pero mais correta). Era quase viva. Reagia ao ambiente, alertava sobre perigos e, como em todo bom desenho infantil, nunca cortou ninguém. Mas atirava, ô como atirava. Raios, relâmpagos e luzes. A Danada era pequena, mas na hora H crescia (coisa mais fálica, hein amiguinhos!?). Servia de arma, escudo e periscópio do futuro. Tinha encrustrada na base de sua lâmina nada menos que a fonte do Poder dos felinos, o Olho de Thundera. A gente não sabia sua origem, se era uma pedra preciosa, um olho mesmo, se era dura ou macia, um farolete ou o diabo-a-quatro. Mas sabia instantaneamente que ali tinha café no bule. Era poder de verdade, uma relíquia misteriosa de um tempo de fé e magia. Era o crucifixo da vovó que ficou com você para protegê-lo dos pesadelos, era o chacra na base da espinha, era a Arca da Aliança. Tão exótica que possuía valores morais: recusava-se a funcionar em mãos inimigas ou mesmo servir de instrumento para o mal. Apontada contra inocentes, travava, dava pau. Perdeu pra Escalibur (Uia!) só para não cometer a blasfêmia de destruir um símbolo de justiça. Ninguém discorda que era um personagem em si, o oitavo Thundercat, a alma de Jaga.
Por falar em Jaga... a espada era dele, um nobre e velho guerreiro que sacrificou sua aposentadoria ao levar a gataiada em segurança para a Terra (o polêmico Terceiro-mundo, que usava como nome a ordem planetária do Sistema Solar, embora parecesse às vezes que falava de um cafundó-do-Judas subdesenvolvido, abaixo do equador).
Jaga era o antigo usuário da Espada, seu defensor e portador. Ela não era como uma coroa, transmitida do Rei ao Príncipe como símbolo de nobreza secular; era, antes, um instrumento da nobreza de caráter, a força do guerreiro. Isso é importante e tentarei avaliar melhor depois.
Jaga aparece em espírito para Lion-o, raramente aos demais e quase nunca aos inimigos. Personifica o espírito ancestral, o contato com o antigo, a quem o jovem sempre espelhará até ser ele mesmo. Evidencia aquele algo que subjaz a você, a realidade que já existia antes de seu nascimento, a consciência do Tempo na criança. Seu espírito não facilita, nunca dá a resposta pronta - o que considerávamos, lá no íntimo, uma baita sacanagem. É um tutor, um crítico e um professor, uma bússola ética que raramente intervém, senão com orientações.
Essa ênfase na avaliação e na autocrítica diferenciam-se grandemente de outra figura tão poderosa quanto paranormal: Mumm-ra, a cereja da banana-split, cuja figura por muitas vezes serviu de eixo para a história. Mumm-ra não só aponta pistas sobre o passado do terceiro-mundo (é a única ponte, em todo o desenho, com o mundo como o conhecemos, com a nossa história). Mumm-ra sugere, de uma maneira tão implicitamente sutil, que aquele mundo é o nosso. Ou melhor, era. Temos uma múmia egípcia - única referência à nossa cultura (além de Scalibur, num episódio específico), um ser desfigurado pela obsessão por Eternidade, Poder e Dominação. É ele a única sugestão, testemunha e pista de que um dia houvera homens naquela Terra. As poucas figuras humanas sobreviventes são tribais, fragmentárias ou bestificadas. Era como se a realidade em si, personificada por Mumm-ra, exigisse um retorno da civilidade, da ordem e da justiça.
Mumm-ra não admite o Fim. O que em Jaga representa sabedoria, em Mumm-ra é maquiavelismo. Um sacerdote cuja companhia se reduz a espectros; alguém que dominou um jogo anterior até reinar só e sozinho, a antítese da sabedoria imersa em uma pirâmide.
Não é exagero entender a luta entre Lion e Mumm-ra como a batalha entre a velha e a nova ordem, a renovação que revigora, os novos princípios. Nesse sentido, TC provavelmente é implicitamente um dos desenhos mais subversívos das últimas décadas.
Trololós à parte, Mumm-ra é simplesmente muito louco. Podrão, cara de menina dO Exorcista, uma kundalini negra no peito e a moradia mais macabra de todos os tempos. Sua transformação era antológica, o clímax do desenho. Já disse que Mumm-ra está para a animação assim como Darth Vader está para o cinema, mas não custa repetir. Se há uma diferença, é que Vader se redime. Mumm-ra, só morrendo. Ironia das bravas, considerando que é justamente ele quem tem vida eterna!
O enredo tem tantas outras nuances e casos pinçados que renderiam um compêndio. Mas basta para ilustrar alguns dos pontos que fizeram esta uma das melhores animações de toda a história da indústria... e da Arte.
No próximo episódio, algo mais divertido: as brechas de ThunderCats.
Não coma manga com leite e lembre-se: justiça, verdade, honra e lealdade!
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